quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Ciranda da ironia

O simples homem
na marcha da sobrevivência 
deseja tão somente saciar sua fome.
O homem rico, com o seu corpo alimentado, 
insatisfeito está pois pela luxúria é atormentado.
O homem lascivo, que na concupiscência não tem prazer,
percebe a sua inquietação lhe devorando pelo humano poder.
O homem poderoso, já não tendo nenhum limite terreno,
 alimenta toda a sua angústia de ser o Deus Supremo.
Deus, que arquitetou toda essa Ciranda da Ironia,
para ser intuída a fórmula de Sua Engenharia,
deseja dessa obra feita em seu Nome
apenas o valor dado à vida pelo
simples homem

Cordeiro desgarrado

Segue enfileirado o rebanho de carneiros pelo vale
Caminho sumariamente decidido pelo seu Pastor.
Ordem na fila, ordem na comida e ordem na vida
Não desejam violar o código do Guia que Cria-dor.

Eis que  vejo um tenro cordeiro de olhos taciturnos
Incongruências inquietam esse ateu espiritualizado.
Tem a propensão ao bem em sua inocente natureza
Mas sem correspondência com o código legitimado.

O conforto do bando e a recompensa para os retos
Mas sua alma o impele às verdades mais viscerais.
Ele olha de revés as colinas erguidas nesta estrada
Ato contínuo se desgarra da procissão dos normais.

Liberdade repentina ele vacila sem o cajado do amo
E titubeando segue toda trilha de sua alma imprecisa.
Porém no alto da colina uma súbita mudança ocorre
O bem e o mal estão abolidos da sua íntima pesquisa.

Convenções, conveniências, poder e mediocridade
Valores dos quais a misantropia lhe fez despojado.
Todavia o rebanho aniquila o que não compreende
E por buscar sua Poesia o cordeiro será sacrificado.

O ateu na cruz

O jovem ateu “espiritualizado”  
Ergue pedras e corta madeiras. 
Farto das humanas instituições 
Procura as noções verdadeiras.

Ele abre os livros, exaurindo a metafísica, a filosofia e os credos de toda sorte 
Pois obstinado está em descobrir  os segredos de uma existência após a morte.
Ou quem sabe intuir  os desígnios subjacentes ao funcionamento desse mundo
Reificado pelo caos das convenções dando origem ao nosso niilismo profundo.


   Oh, razão e linguagem estéreis!
   Inútil todo humano expediente.
     Sem  decifrar o Silêncio Divino  
    Ele vacila e seu desespero sente.

    Antes de encontrá-la pela lógica
     A Verdade surge na sua intuição.
     E o jovem é agraciado  por Deus
     Por ateu busca-Lo na sua aflição

      O Bem, o Mal e a Quietude cruel
      Já são ideias gratas à sua ciência.
     Aludem ao livre  arbítrio pessoal
     E  livram o ser da  conveniência

    A vida lhe  inspira novos sentidos
      Dádiva dos que alcançaram a Luz.
     A Razão do mundo lhe é tão óbvia
      Que capaz é de morrer numa Cruz.

Cálice

A simetria divina dos ombros
   Induz ao mistério do conteúdo.
Eis o coeficiente dourado do Belo
Que subjaz o significado de Tudo.


O toque das peles dilatando os poros
A integridade física que se desintegra.
Transmuto-me nela  e sinto o meu Eu
Verdades que a vã filosofia não prega.


O Sagrado Feminino me despersonaliza
Conduzindo-me  ao Sublime Patamar.
Para onde vão aqueles que perecem
Após as correntes do Letes nadar.


Pupilas dilatadas e lânguidas
Desprezam a extrínseca luz.
O brilho no qual elas miram
É da alma e Verdades produz.


Estado fugaz que domina a intuição
Débeis agora são a palavra e a lógica.
Porém convulsões orgânicas anunciam
Que terei uma pequena morte despótica.


Nesse momento eu me aproximo de Deus
E faço parte do Amor  que concebe a Vida.
Enfim derramei o vinho no misterioso cálice
E a Charada Existencial foi então pressentida.

O que sei de ti?

Uma torneira me pedindo um pingo de atenção
O gato a ronronar ao meu pé pelo leite que esqueci.
Perfumada sai você em disparada ao trabalho

E fica no ar um cheiro de dúvida: o que sei de ti?
Temos agenda e no condomínio uma reunião
A vizinha reclama uma vasilha que não devolvi.
Deslumbrante a vejo para uma festa qualquer
Porém seu íntimo não espiei: o que sei de ti?

Há uma conta vencida que hoje temos que pagar
Um  móvel  desaba pois  seus cupins não percebi.
Vamos  viajar para ver  um  amigo que adoeceu
Mas não acho
 o mapa de sua alma: o que sei de ti?

O meu dente agora urge por uma dor que surge
No parque levo a nossa filha como lhe prometi.
Você lê o relatório de metas da sua companhia 

Contudo não li suas entrelinhas: o que sei de ti?

As nossas rotinas, convenções e conveniências!
Eis na vitrine de nosso tempo toda vida que vivi.
E velhos ainda rogamos que o sangue não pare
Mas já não vejo seu lume e grito: o que sei de ti? 

Camisa de Força

Quanta piedade sinto de tu, pobre louca
Que por essa camisa de força és atada.
Negam-lhe todas experiências da vida
E a Ordem do mundo não é abalada.

Quanta piedade sinto de tu, homem de bem
Que pelo terno das conveniências foi amesquinhado.
A rotina lhe esmaga no suplício dos anônimos
E sua triste resignação faz o mundo normalizado.

Mas sua camisa de força, desvairada amiga
Subtrai a dignidade que lhe é inerente.
Qual ferro que ao pobre gado faz estigma
A você marca como miserável gente.

O que dizer da gravata de seu terno, sensato amigo?
Que sufoca seu ar e a vivacidade lhe suprime.
Trazendo ao seu rosto uma palidez de gente comum
Marca-lhe como uma ovelha privada do Sublime.

Demasiadamente apertada é sua camisa força, triste doida
Que lhe priva dos movimentos e lhe rouba a liberdade.
Destarte seu corpo não segue os ditames do seu querer
De modo que possas viver experiências de verdade.

Tampouco são frouxas as mangas de seu terno, senhor ajuizado
Que oprimem veias e retém o quente sangue com perversidade.
Sua alma reclama ao corpo as sensações mais elevadas
Mas o aperto moral obstrui as experiências da sua Verdade.

Suas razões são assaz perturbadoras, dama da loucura
Tais quais um espelho que revela minhas próprias aflições.
Das minhas íntimas gavetas retiro conclusões aterradoras
Que eu visto a camisa de força das habituais convenções.

Enfim te livraste desse traje a rigor, lúcido irmão
E sua nudez é um vão para espreitar sua Natureza.
Lhe farão por camisas de forças temendo suas Verdades
Mas sua alma está livre e se agasalhou da Beleza.

Quero-Quero um Lero-Lero

A olho nu vejo a  procissão  humana  pelos séculos
Viajando  pelo tempo no  carro alegórico da história
No anti-horário  notei o Eterno  Retorno pela janela
Homo sapiens, homens, sapos, deuses e príncipes 
                                               (oh, mais do mesmo!)

 Economizo cantando só meias palavras à meia noite
O samba de uma nota que Saci pula com uma perna
Ele não está na contramão pois é apenas o buscapé
Todavia toda a vida jamais possuirá o pé da situação

O arranha céu não faz cócegas no Cordeiro Celeste
Que com a sua lã de aço usa todo o poder do Verbo
 E qual um alto falante num  ultrassom com porta-voz
Deixando o criado mudo  sem beber chá de cadeira
                                                     
A Idade das Trevas foi desprovida de seus anos-luz
 Tal qual no Mar Morto  não se encontra a água viva 
É culpa do mão leve que guarda chuva e cata vento
Traindo sua abelha rainha  para roubar a lua de mel

  O quero-quero deseja somente um lero-lero retórico
  Pois é o sofista nas micro-ondas do mar de palavras
  Dir-se-ia o boca do inferno com a língua nos dentes
  A ver duma lente (ca)ótica  o caos do cão que criou